Minimal Surf
Mar, Surf e Meditação
©Minimal Surf é um projecto da Largo Filmes que se desenrola em quatro curtos filmes, correspondendo a quatro momentos distintos na ligação entre o surfista e mar, mediados pela contemplação plena de cada um desses momentos.
Agradeço o convite do Tiago Cravidão da Largo Filmes para dar voz meditativa a esta aventura.
Vivo com o Mar como pano de fundo desde que me lembro. A minha experiência com este elemento maior do planeta é muito imersiva; sempre gostei de mergulhar, nadar e soltar-me no mar.
O surf ficou como uma curiosidade, um desejo que sempre coloquei como inalcançável, sabe-se lá porquê…
O convite do Tiago surpreendeu-me e assustou-me ao mesmo tempo. Por um lado o fascínio do mar e por aquelas figuras que planam sobre as ondas, como se por magia conseguissem à equação a capacidade de voar, outra das coisas que me fascina. Por outro, o desconhecimento das sensações profundas de um surfista, as suas motivações, pulsões, medos e ansiedades
E por isso mesmo decidi aceitar o desafio. Abraçar o fascínio e dar-lhe algum corpo, abraçando ao mesmo tempo os medos e vergonhas variados que se misturaram e rapidamente vieram à superfície; à superfície de uma onda em que me vi enrolado.
Vi bastantes imagens de surf, li sobre surf, meditei sobre surf, deixei-me embalar pelas palavras da Sophia, mas sobretudo decidi-me a experimentar uma prancha de surf sobre as ondas. Não irei descrever os detalhes pouco edificantes dessa aventura mas direi que não foi preciso mais de alguns segundos (já na recta final da hora e meia do teste) para perceber!
Foram aqueles segundos em que um tipo diz para si próprio – “ok, já fizeste as figurinhas tristes todas que podias fazer num dia, já amassaste os braços a remar para duas semanas, agora…chega!” – que, por serem marcados não pela desistência mas pela entrega ao que é, ali, exactamente naquele local, naquele momento, rendido aos elementos e despido da expectativa de fazer ou alcançar o que quer que fosse, que tudo aconteceu: sem saber nem como nem porquê, deitado sobre aquela imensa prancha de principiante, num passe de mágica senti-me a deslizar onda fora. Ergui-me lentamente (e pouco…) para saborear aquele breve e fugaz momento e senti muitas coisas que não saberei descrever, mas sobretudo senti a entrega total ao momento.
Como pode ser viciante! E no entanto, tudo o resto lá esteve igualmente: o medo, a vergonha, a expectativa, a vaidade a desilusão … tudo o que na vida se experimenta. Mas o mar permite uma outra perspectiva; uma perspectiva mais corporizada, mais vívida do instante.
E assim, aqui fica o contributo para as imagens e os sonhos do Tiago. E a minha decisão de voltar a uma prancha, nem que seja para me desengonçar todo e soltar-me no Mar, mas de outra(s) forma(s).
MAR
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

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Comments
Beautifull spot. I could feel the flow, the smell, the sound, the freshness of the sea and almost the tight clothes. And breath…🙏
🙂